A quem educar? Por que educar? Como educar?
Essas questões são a síntese da preocupação humana com a educação ao longo dos séculos. Isso porque a espécie humana, diferentemente dos animais movidos apenas por instinto, é capaz de criar, de inovar, de inventar o supérfluo. E é tamanha a quantidade de invenções e de conhecimentos humanos, que torna-se necessário sistematizá-los e transmiti-los às novas gerações. Assim surgiu a educação formal, como meio de suprir essa necessidade, o que possibilitou uma evolução cada vez maior e mais rápida em termos de conhecimentos.
Outra característica humana, além do poder de criação, é a reflexão. Por isso, o ser humano se questiona a respeito de qual a função da educação: será preparar para o mercado de trabalho, assegurando profissionalização? Ou dar uma visão humanística, mais geral? Deverá o ensino preparar para o vestibular, ser propedêutico? Ou devemos fornecer uma educação desvinculada desse compromisso?
Seja qual for a resposta, ela nunca será neutra, mas estará impregnada das nossas concepções de educação e de sociedade. Passo agora a defender a minha posição.
Educação é um direito de todos. Todos os setores da sociedade valorizam e exigem a educação, embora nem sempre se mobilizem para torná--la efetivamente abrangente, universal e de boa qualidade. Mas em todas as famílias vemos a preocupação em ter seus filhos educados; nas empresas exige-se um nível de escolaridade cada vez maior, e vários setores buscam superar os problemas das escolas (voluntários, 3º setor, etc). Todavia, o que se vê é a falta de visão sobre os objetivos da educação.
A educação, muito mais do que transmissão de informações ou qualificação profissional, tem o dever de transmitir o legado cultural acumulado pela humanidade historicamente. Essa é uma tarefa verdadeiramente desafiadora, porque envolve mobilização de professores e alunos na apropriação de saberes construídos em diversas áreas, desde a arte até a linguagem, desde a música até a matemática. A escola seria o lugar ideal para dar um vislumbre da grandeza humana, de sua produção cultural, de suas idéias e aspirações, do desenvolvimento das técnicas a serviço da qualidade de vida, dos erros e horrores da história e de como superá-los, aprendendo com eles.
Essa seria uma tarefa apaixonante, e daria conta, indubitavelmente, de todos aqueles famigerados conteúdos e programas que são alienadamente empurrados para e pelo professor. Viria do encontro das necessidades dos alunos, da sua curiosidade, do seu dinamismo e alegria naturais, desenvolvendo espírito científico e criatividade, e semeando o prazer do aprendizado.
Quantos talentos se perderam na escola, entre as inúmeras tarefas repetitivas e mecanizadas, tão comuns no cotidiano escolarizado? Como podiam ter florescido, se apenas lhes fossem dados meios de desenvolver seu potencial, respeitando sua individualidade, sem tentar sufocar sua personalidade!
A escola não tem cumprido nenhum dos objetivos anteriormente citados. Não propicia a atualização cultural, não prepara para o trabalho e nem para o vestibular. A escola gera alunos desmotivados, que não gostam de estudar, que não têm o hábito da leitura, meros executores de tarefas repetitivas, seguidores de ordens, passivos e em nada conscientes.
Inúmeros educadores têm denunciado ao longo de vários anos essa função reprodutora da escola; Paulo Freire chama essa concepção de "educação bancária", pois o professor "deposita" o conhecimento no aluno, para nas provas verificar o "saldo".
Infelizmente, apesar de muito se falar sobre construtivismo, sobre desenvolver as competências, respeitar as "inteligências múltiplas", essas considerações não transcendem a teoria, não chegam a alcançar a prática.
São inúmeros os motivos para isso: falta de vontade política e de compromisso social por parte dos governantes, falta de condições mínimas de trabalho para o professor, seja de material de trabalho, seja de remuneração; falta de consciência dos pais da necessidade de mobilizarem-se na luta por melhores condições nas escolas; falta de visão dos gestores acerca do que é realmente necessário realizar em sua prática e do que é meramente burocrático... falta de tudo!
Todavia, isso não pode ser desculpa ou empecilho para mudar a realidade. Reconhecer a importância da escola básica e conhecer seus problemas deve levar-nos, como sociedade, a nos mobilizarmos para mudar essa situação, exigindo dos governantes que façam a sua parte, equipando as escolas e dando melhores condições de trabalho ao professor.
Esses passos são fundamentais para a construção de uma sociedade mais justa e menos desigual. Para a efetivação da cidadania de cada um, para uma verdadeira democracia.
Uma escola que dê ao aluno a chance de escolher entre ver o Programa do Ratinho ou o Jornal Nacional, entre ouvir Bach ou É o Tchan. Entre votar bem ou votar nos mesmos corruptos que nos têm explorado por anos a fio. Que lhe dê liberdade. Porque ninguém é livre sem conhecimento, sem consciência.
Uma escola que mostre ao aluno que o mundo tem jeito, que não foi tudo sempre assim, que vale a pena lutar e coordenar esforços para perseguir um sonho, um ideal. Afinal, não foi assim com o fim da escravidão, e com tantas mudanças históricas que só sucederam em virtude das lutas humanas?
Por isso, o papel fundamental da escola é o de dar ao aluno uma visão sócio-histórico-cultural da evolução da humanidade. Para dar-lhe o direito de escolha, para que ele tenha meios de efetuar essa luta. Dizer que a escola deve preparar profissionalmente é reduzir demais o seu papel. Alegar que deve ser propedêutica ao vestibular é assassinar seu verdadeiro sentido, o que serve principalmente para perpetuar essa sociedade de privilégios em que vivemos.
quarta-feira, 2 de abril de 2008
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