quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Perspectiva Histórica da Educação Bilíngüe nos EUA

por Manuel A. Fernandes
Originalmente disponível em http://averdadedamentira.wordpress.com/2008/05/18/perspectiva-historica-da-educacao-bilingue-nos-eua/

A realidade a que muitos chamam de nova, da importância na aprendizagem de línguas estrangeiras, hoje em dia, deu um grande passo virando quase senso comum.

É da maior relevância o papel da língua na comunicação social, num tempo dominado pela globalização, pela notícia e pelo conceito de cultura reciclável. O mundo funciona mais rápido, ou assim o parece.

Indissociável do tema da linguagem e sua convivência cultural, estão sem dúvida os Estados Unidos da América que pela sua diversidade étnica e humana, reflectem o seu pluralismo e riqueza mas que por outro lado gera uma crise de identidade nacional e especificamente linguística que atravessa os seus 50 estados e atormentando o seu futuro.

Atendendo a estes factores, apresento uma breve síntese das questões históricas que fizeram dos EUA uma nação multicultural e multilíngue e discuto os efeitos que esta diversidade causa no sistema educacional americano, no que se refere à educação bilingue.

Educação bilingue, porquê? Na verdade, porque é o fenómeno corrente do indivíduo que dentro da sua estrutura cognitiva apreende uma língua estrangeira no espaço onde trabalha, ou estuda e a concilia com a sua língua nativa que lhe é introduzida desde cedo. Desenvolve-se num contexto de imigração e de movimentos políticos de direitos civis – lido no capítulo anterior – num País que retém essas características por excelência.

Busca também, amiúde, soluções educacionais do ponto de vista legal.
E reconhecendo a inexpugnável sociedade das Nações que é de facto a sociedade americana e as suas populações, chegaremos a uma interrogação que é a seguinte:
Contextualizado por uma cultura de forte índole Anglo-saxónica, mas desde cedo habituado a um mosaico cultural de pessoas oriundas de outros países, que força é que essas mesmas pessoas têm para reivindicar os seus direitos e expressões cívicas num país “estranho”, mas do qual fazem parte?

Em suma, terão direito a reclamar uma educação bilíngue para os seus filhos? Ora, isto vai ao encontro da complexa e variada legislação que alterna consoante os números de cada comunidade, em cada estado, e as tradições históricas destes últimos.

Por sinal, é de sobremaneira verificar que mesmo antes da chegada dos primeiros Europeus já eram faladas pelo menos 300 línguas Indígenas e a posterior colonização foi uma maneira de reunificar os Americanos à volta de uma língua, de uma forma de expressão. Não foi fácil essa tarefa. Fruto de uma tolerância linguística portadora de missionários e evangelizadores que penetravam nas culturas indígenas, a vocação plurilíngue manteve-se inalterada.

Com essa diversidade trazida pelos primeiros imigrantes da colonização Européia, a tolerância linguística prolongou-se praticamente até à primeira Guerra Mundial, num espaço de tempo onde era aceite e difundida através de práticas religiosas, dos primeiros jornais e principalmente na educação dos colonos.

Até à segunda metade do século XIX o País vivencia então um movimento de abertura tanto aos imigrantes como às línguas e culturas que trouxeram consigo. A educação bilingue era já uma realidade.

Nas duas primeiras décadas do século 20, porém, uma mudança de atitude em relação ao multilinguismo e ao multiculturalismo acabou por gerar uma série de restrições à educação bilingue. As grandes massas imigratórias que chegaram no início do século 20acabaram enchendo as salas de aula com crianças vindas dos mais diversos países falando os mais diversos idiomas. Um medo em relação ao que esta nova onda de imigração significaria ao País acabou por gerar um movimento nacionalista nunca antes visto nos Estados Unidos. As palavras de ordem eram integração, harmonização e assimilação, e o país começou a vivenciar um movimento de americanização que incluiu a competência linguística e comunicativa em inglês como forma de provar lealdade ao país e aos americanos.

A partir daí, começaram a aparecer as conhecidas restrições em defesa da supremacia anglo-saxônica. A perseguição germânica por Benjamin Franklin, o ensino restrito do inglês num Estado com um peso como é o da Califórnia e a supressão linguística e racial, diga-se, dos indígenas.

A partir daí e saindo reforçada do movimento de americanização de 1919, recomendou a todos os Estados que a língua de instrução fosse somente o inglês, o que se viria a confirmar na participação dos EUA na primeira grande guerra, que tomou os americanos de uma grande intolerância e preconceito com o exterior.

Neste período, o papel da educação e das escolas tornou-se fundamental no processo de socialização e assimilação de imigrantes à língua e à cultura americanas. As escolas tornaram-se o lugar de integração e o seu papel incluiu formar cidadãos americanos. Até mesmo o ensino de línguas estrangeiras foi abandonado neste período.

Nos Estados Unidos dos anos 60, educação bilíngue e multiculturalismo voltaram à tona durante o movimento dos Direitos Civis. O movimento que pregava direitos para Afro-Americanos, com igualdade de oportunidades para todos, independentemente de cor, credo ou raça, contribuiu para a criação do Acto de Direitos Civis de 1964, durante o governo do presidente Lyndon Johnson.

O acto federal, que proibiu a discriminação com base na cor, raça ou origem, simbolizou também uma mudança de atitude em relação aos diferentes grupos étnicos e às línguas por eles faladas. O ressurgimento da educação bilíngue nos Estados Unidos, na segunda metade do século 20, está ligado também ao estabelecimento da Coral Way Elementary School, no sul da Florida, em 1963. Um grupo de exilados da Revolução Cubana de 1959, formado por cubanos de classe média e com um alto nível educacional, iniciou uma escola bilíngue em inglês e espanhol que se tornou modelo de instrução bilingue nos EUA.

Vários factores contribuíram para o sucesso da Coral Way. Os professores da escola tinham um alto nível educacional e tinham sido treinados em Cuba. O grupo, que acreditava ter que estar nos EUA somente por um tempo limitado, acabou ganhando simpatia e compreensão por esta causa e isto reverteu em fundos para a escola, em apoio político ao grupo, e numa imagem positiva em relação aos resultados da educação bilingue.

Mas não é só de sucessos que é feita a história da educação bilingue nos EUA. Uma série de leis e processos tiveram que passar pelas cortes americanas para que o direito à educação em outras línguas, além do inglês, fosse garantido a grupos étnicos e aos imigrantes.

Este caso tornou-se um símbolo na luta pela implementação educacional do bilinguismo, pelas condições da adaptação à instrução e tolerância oferecidas.
Isto causou a certo modo, e em geral nos anos 70 e 80, diferentes reacções e perspectivas relativas às diferentes interpretações que cada distrito deu à lei constituinte. O tempo de adaptação oferecido, a intensificação e a quantidade de línguas apreendidas, foram temas centrais desta discussão.

Neste cenário, existem duas posições antagónicas no que respeita ao devido tratamento do bilinguismo: os que acreditam que a criança se deve alfabetizar na sua língua materna antes de aprender o inglês e os outros que de uma forma inversa, defendem que se deve facultar o ensino de inglês às crianças imigrantes, o mais cedo possível.

Deu-se, logo de seguida, um directório de medidas e autonomia a cada estado para estabelecer um conjunto de regras, defendendo a sua população imiscível em culturas e línguas e adaptando condignamente tais medidas.

Em 1978 o Congresso aprovou, a que ficou conhecida, como “Educação Bilingue Transitória”, isto é, a língua materna como veículo de acesso ao Inglês.

Em 1980, durante o executivo de Ronald Reagan, os programas de educação a duas línguas perderam a sua força e o seu propósito. Foram incentivadas verbas para a ajuda do Inglês sem a compensação lógica da língua materna. Isto desacreditou o projecto multilingue e a viabilidade das propostas integracionistas.

Após esta descida ao inferno, a direcção inverteu-se com a chegada do democrata Bill Clinton que se distanciou do seu congénere republicano e suas convicções abolicionistas, propondo a nova reforma de ensino que visava preparar as camadas sociais imigrantes e as demais, para um melhor nível académico e respectivo sucesso, sob duas máximas: “Eduque a América” e “Ajudas às escolas”. Consequências – maior força e recursos monetários alocados para o programa de educação bilingue. Ao mesmo tempo, dava maior autonomia para regular as suas providências legais reflectidas na composição das suas gentes.

A população americana, no geral, apoia o ensino de línguas estrangeiras para os americanos. Especialmente depois do 11 de Setembro, os americanos compreenderam a importância e a necessidade de aprender outras línguas e de conhecer outras culturas. Quando o assunto é educação bilingue, porém, a mesma atitude não prevalece.

Os benefícios sociais e económicos de aprender línguas estrangeiras ficaram como que de uso exclusivo da classe média e alta americanas, enquanto na classe baixa, representada principalmente por grupos de imigrantes, espera-se que abandonem a sua língua materna e que assimilem o dialecto e a cultura americanas.

Na perspectiva de muitos, a palavra de ordem é a preservação da língua maioritária. Como entendeu o Estado da Califórnia um dos mais diversos em termos étnicos, originariamente Hispânico, com a abolição, pelo projecto “Somente Inglês”, do ensino de línguas estrangeiras. A isto seguiu-se uma tendência em outros tantos Estados (Arizona, Colorado, etc.

Em 2001, já com Bush filho ao leme do País, uma nova lei federal surgiu, de nome “No child left behind” – (Nenhuma criança deixada para trás) e que revelava uma sensibilidade às minorias étnicas mais pobres, incitando-as ao bom percurso escolar e reautorizando o Acto de educação bilingue.

Infelizmente tratava-se apenas de uma camuflagem populista para que todas as crianças se movimentassem em direcção à matriz Anglo-saxónica, relegando a educação multicultural e bilingue, que se cogitava conjunta, para segundo plano.

Se a sociedade americana é uma sociedade de imigrantes, então por que tamanha rejeição à educação bilingue?

Em todos os países do mundo, há um abismo que separa os ricos dos pobres. Este abismo económico, social e cultural acaba manifestando-se também no rendimento escolar e nas oportunidades tanto em termos de acesso como em qualidade de ensino.

Diminuir esse abismo é uma questão pública que envolve interesses políticos mas que importa realmente, a quem vive e coabita com estas medidas a cada minuto americano. Desta forma se alicerça uma América unida e que respeita a diferença. Esperemos que assim seja.

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