Selma de Assis Moura e Ariane D’Avila Mantovani
3rd Brazilian Bilingual Schools Conference / 3º Congresso Brasileiro das Escolas Bilíngues
Workshop nº 29 - 02 de maio de 2009
O propósito deste trabalho:
Queremos compartilhar uma reflexão sobre a experiência de trabalho nas áreas de artes e linguagem desenvolvida com crianças de 5 anos em uma escola bilíngue de educação infantil na cidade de São Paulo. Nesta escola, como ocorre em muitas outras escolas bilíngues, as crianças passam pelo menos quatro horas diárias em um programa de imersão em segunda língua (no nosso caso, inglês) que não é apenas a língua que se pretende ensinar, mas também a língua através da qual os conteúdos curriculares são ensinados.
Vivemos, portanto, um duplo desafio: o de ensinar os conteúdos curriculares e uma segunda língua a crianças que são, quase todas, brasileiras e falantes nativas de português. Há na escola também algumas crianças para quem o inglês é a primeira língua, ou mesmo uma segunda língua materna. Para garantir um ambiente de circulação do inglês e maximizar a exposição das crianças à segunda língua, a comunicação entre a equipe da escola e as crianças ocorre quase totalmente neste idioma, embora o português seja eventualmente utilizado em atividades específicas e apareça, na maior parte do tempo, na comunicação entre as crianças. Conforme as crianças demonstram maior compreensão do inglês, as professoras as incentivam a falar mais nesta língua.
Um dos eixos de trabalho na escola é constituído pelas Artes Visuais. Presente de muitas formas na vida das crianças, as artes constituem uma forma privilegiada de ajudá-las a compreender o mundo, organizar seus pensamentos, expressar ideias, desenvolver o domínio de técnicas expressivas e ampliar seu potencial criativo. Seu principal objetivo é o desenvolvimento estético e a educação da sensibilidade. Mas como menciona o próprio Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, frequentemente as artes acabam se transformando em uma série de técnicas desconexas, que assumem função acessória a outras áreas, como a decoração, a elaboração de adereços, a preparação de eventos e outras funções que não contribuem com o aprendizado das crianças sobre artes.
Quisemos superar essa visão utilitarista de artes e avançar rumo a uma visão de artes como linguagens, e por isso teve lugar na escola um processo de formação em que pudemos refletir sobre o que é arte e o que é ensinar arte na escola. Algumas professoras tinham mais experiência do que outras, mas todas se engajaram de alguma forma nesse processo de formação, que nos ajudou a reconstruir nossa própria prática (MOURA, 2008).
A bagagem essencial do professor é seu repertório profissional que é adquirido pela prática. Porém, não é a prática por si só que é formadora, ela deve sempre ser acompanhada da reflexão sobre a experiência, pois é a reflexão sobre a experiência que é formadora e não a experiência por si só. (NÓVOA, 2004)
Este desafio se coloca a todas as professoras polivalentes que atuam na educação infantil. Mas em nosso caso, dada a especificidade de se tratar de uma escola bilíngue, mais um desafio se coloca: ensinar uma língua e ensinar através de uma língua. Para nós, que utilizamos a comunicação na segunda língua como forma de ensinar a própria língua e os conteúdos pretendidos, ambos os processos são concomitantes.
A experiência que escolhemos compartilhar teve lugar sob a forma do projeto “Body in Arts”, desenvolvido com a turma de 5 anos. A escolha de trabalhar com este tema, o corpo humano, tem a ver com os interesses e necessidades das crianças nesta idade, que estão construindo seu esquema corporal e sua auto-imagem, e permitiu construir uma grande variedade de conhecimentos.
As crianças tiveram contato com obras de vários pintores e escultores, o que permitiu que ampliassem seu repertório imagético ao perceberem uma grande variedade de possibilidades de expressão para o tema do corpo humano. Partimos de suas ideias iniciais, que foram sendo confrontadas com outras ideias, reorganizando-se, ampliando-se e aproximando-as da produção cultural em artes. Como afirma Iavelberg (2006):
Cabe à escola abrir o leque no ensino das diversas áreas de conhecimento. Situamos a área de arte que, entre outras linguagens, circunscreve a aprendizagem do desenho que, aprendido na escola, certamente promoverá a participação cultural dos alunos e a interação com a diversidade das culturas.
A documentação do processo de aprendizagem através de fotografias, cópias das produções das crianças, anotações de suas falas e registros reflexivos pela professora foi essencial para formar um panorama da progressão das aprendizagens das crianças, como mostramos neste trabalho. É com base na experiência que desenvolvemos e no que aprendemos que compartilhamos nossa reflexão e nossa proposta, esperando assim contribuir com o trabalho de outros colegas que, como nós, vivem o duplo desafio de ensinar artes e uma segunda língua de forma integrada.
Por que trabalhar com a figura humana nas aulas de artes?
O corpo é o centro do conhecimento, das percepções, das sensações, da estruturação da identidade, da organização do pensamento. No dizer de Edith Derdyk, pesquisadora, artista, é pelo corpo que o mundo interior, psíquico, se comunica com o mundo exterior, social. E como nos ensinou Piaget, a gênese da inteligência da criança é sensório-motora, dá-se no plano da ação motriz, predecessora e parte constituinte de todo o pensamento. De uma idéia inicial indiferenciada entre seu corpo e o corpo da mãe, o ser humano gradualmente estrutura sua percepção de si como indivíduo. A apropriação da imagem de si, a construção de seu esquema corporal e a afirmação como sujeito caminha de uma visão egocêntrica para uma progressiva descentração, necessária à formação da subjetividade de cada pessoa.
Desde muito cedo as crianças, em sua exploração do mundo e dos materiais, têm acesso a riscantes que imprimem marcas sobre superfícies. No início essas marcas são impressões de seus gestos, e não expressam um desejo de representação. Porém, a criança logo percebe que seus movimentos causam impressões gráficas, e passam a variar os movimentos observando as mudanças produzidas. Assim, as garatujas passam a ordenar-se e podem estruturar-se em padrões lineares, circulares, espiralados, conforme as experiências que as crianças vão construindo.
Uma revolução copérnica no pensamento da criança ocorre quando ela percebe que estas marcas podem representar algo. A associação entre marcas gráficas e uma realidade que pode ser representada é uma construção cognitiva que permite à criança acrescentar ao seu desenho uma intenção de representar: uma nova possibilidade de pensamento, agora simbólico, se apresenta, e será experimentada pela criança com entusiasmo. As garatujas passam a ser nomeadas: a criança diz: “Isto é um cavalo, este sou eu, esta é minha mãe...”, mesmo que seus traços ainda pareçam indistintos para nós.
Essas experiências com a representação vão gradualmente estruturando o desenho da criança em padrões mais figurativos. Frequentemente a criança procura representar a si mesma e às pessoas com as quais convive: família, colegas, professores, além dos ‘seres’ que lhe interessam: animais, brinquedos, etc. As experiências de vida da criança passam a se revelar em seus desenhos.
Além do conhecimento de si mesma, que a criança tem ao desenhar, ganha compreensão do mundo. Ela desenha porque existe desenho no mundo. Aprende a ver e a executar o que vê. Tende a assimilar níveis de conhecimento e produção artística e estética cada vez mais complexos, agindo sobre os objetos de conhecimento (desenhos) de diversas culturas, tempos e lugares. (IAVELBERG, 2006)
O desenvolvimento do desenho da criança se dá de forma indissociável ao seu desenvolvimento como um todo. A linguagem verbal, o pensamento lógico, a psicomotricidade, a socialização e a afetividade se desenvolvem ao mesmo tempo, pois a criança é una.
Desenhar a figura humana, ou seja, a si mesma e aqueles com quem convive, é significativo para a criança, pois permite que pense sobre si mesma, seu corpo, sua personalidade.
A construção da figura humana, em sua gênese, é um ótimo pretexto para observarmos o mapa da ampliação da consciência, através de um documento gráfico vivo e orgânico; é um convite para flagrarmos o processo de construção da visão de mundo da criança (DERDYK, 2003)
Ao estudarmos a história da arte percebemos claramente que em todos os tempos o ser humano se ocupou de sua representação: na Grécia antiga escultores como Praxíteles e Fídias procuravam um ideal de beleza, simetria e harmonia que representasse externamente as qualidades humanas. No antigo Egito a arte procurou fixar a história e a magia sob a forma de pinturas, desenhos e esculturas em que se representava não o que se vê, mas o que se sabe. A pintura clássica retratou tanto a constituição social e econômica das sociedades quanto o imaginário religioso que a cristandade pretendia transmitir aos fiéis. A arte moderna procurou desconstruir a idéia unívoca de representação, ocupando-se do corpo humano para lhe dar um caráter multidimensional como vemos em Picasso. E a arte contemporânea ainda se debruça sobre a representação do corpo humano, eventualmente como crítica aos padrões estéticos vigentes.
O que nos interessa neste texto é pensar sobre como o trabalho com a figura humana nas aulas de arte na educação infantil pode ser contextualizado na necessidade do ser humano de compreender a si mesmo. As artes, como linguagens que são, comunicam ideias, preocupações e visões de mundo, permitindo uma revisão, uma melhor compreensão de quem somos e qual nosso lugar no mundo. Na construção da representação da figura humana aprendemos mais sobre nós mesmos, sobre os outros e sobre os limites Eu-Outro, essenciais na construção da identidade, sobretudo com crianças pequenas.
Tal como a apreensão da forma depende da consistência e da sinalização de suas fronteiras, para a criança a consciência de si depende da percepção de um eu que se distingue de um outro. Qual é a fronteira entre o eu e o mundo exterior, para a criança? A criança confunde essas divisórias, promovendo uma fusão contínua entre o dentro e o fora, entre o psíquico e o físico, confirmando a ausência de um dualismo que instrumentalize o recorte de sua figura no mundo (DERDYK, 2003)
Pensamos, assim, ser essencial incorporar o estudo da figura humana nas aulas de artes, e procuramos uma proposta de trabalho que tome as crianças como autoras de seus próprios conhecimentos e como capazes de se relacionar com a produção artística produzida historicamente pela humanidade, desenvolvendo assim seu percurso criativo de maneira informada pela cultura.
O projeto “Body in Arts”
Dada a importância do conhecimento do próprio corpo pela criança na construção de sua identidade e de sua relação consigo e com o mundo, estruturamos a proposta de trabalho com a figura humana sob a forma do projeto didático “Body in Arts”.
Dentre os objetivos traçados para este projeto esperávamos que as crianças pudessem:
• Manter e ampliar seu interesse nas aulas de artes;
• Ampliar seu conhecimento da língua pelo enriquecimento do vocabulário;
• Desenvolver apreciações de obras de arte como forma de compreendê-las, comunicar suas ideias a apropriar-se de sua linguagem;
• Experimentar diversas formas de representar o corpo humano;
• Ampliar a capacidade de criação através da manipulação de diferentes objetos e materiais, explorando suas características, propriedades e possibilidades de manuseio;
• Conhecer e experimentar algumas técnicas de representação, como o desenho com diferentes suportes e riscantes, e a modelagem com materiais diversos;
• Conhecer algumas obras de arte que representam a figura humana, contrastando-as;
• Ampliar o conhecimento de mundo através da ampliação do repertório estético no contato com obras de diversos pintores e escultores;
• Interessar-se pelas próprias produções, pelas de outras crianças e pelas diversas obras artísticas com as quais entram em contato, ampliando seu conhecimento do mundo e da cultura;
• Produzir trabalhos de arte utilizando a linguagem do desenho, da pintura, da modelagem e da construção, desenvolvendo o gosto, o cuidado e o respeito pelo processo de produção e criação.
Para atingir esses objetivos, organizamos os conteúdos sob a forma de fatos e conceitos, procedimentos e atitudes, conforme proposto por Zabala (1999). Nosso quadro de conteúdos ficou assim organizado:
Conteúdos Conceituais:
• Leitura de imagens dos artistas propostos: Van Gogh, Goya, Munch, Miró e Sandra Guinle;
• Desenhos de observação do próprio corpo, visto no espelho;
• Desenhos de observação dos colegas de sala;
• Pinturas representando figura humana;
• Auto-retrato;
• Modelagem com massinha representando a figura humana;
• Contato com uma artista contemporânea, Sandra Guinle;
• Nomes das partes do corpo, em inglês;
• Nomes dos materiais utilizados, em inglês;
• Verbos de ação relacionados a atividades artísticas: to draw, to paint, to color, etc
Conteúdos Procedimentais:
• Apreciação de suas próprias produções, das produções dos colegas de classe;
• Apreciação das reproduções dos artistas apresentados;
• Produção de desenhos, pinturas e esculturas sobre a figura humana;
• Produção de fundo para posterior continuação com a produção da figura, e vice-versa;
• Produção de auto-retrato com técnicas variadas;
• Variações de suportes e riscantes, com análise dos resultados obtidos;
• Desenhos livres após apreciação de reproduções das obras apresentadas;
• Desenhos de observação de pessoas;
Conteúdos Atitudinais:
• Prazer e gosto em desenvolver atividades artísticas;
• Disponibilidade para comunicar-se em duas línguas;
• Interesse pela exploração dos materiais de artes;
• Cuidado com os materiais;
• Respeito aos colegas e suas produções;
• Organização ao final das atividades;
• Aumento da capacidade de concentração;
• Desenvolvimento de gosto estético;
• Estímulo à criatividade e à auto-expressão.
É importante destacar o papel da pesquisa do vocabulário e das estruturas lingüísticas específicas a este trabalho, que envolve uma listagem dos nomes das partes do corpo e dos materiais oferecidos às crianças. Uma pesquisa sobre as obras e os artistas apresentados às crianças também é indispensável para dar segurança à própria professora, tanto no que diz respeito à arte em si quanto à linguagem necessária para comunicar e ensinar as crianças.
Essa é uma parte que não pode ser esquecida quando se trabalha conteúdo e língua de forma integrada. Para ensinar a língua é preciso sabê-la, o que parece evidente mas tem implicações nem sempre lembradas. Alguns conteúdos trazem um vocabulário que não faz parte da comunicação diária do professor e que pode ser desconhecido para ele. Portanto, é indispensável familiarizar-se com os termos específicos relacionados ao tema que se trata, sobretudo ao se trabalhar com projetos didáticos, que podem aprofundar-se em alguns aspectos ou mudar de direção durante seu andamento.
Também é importante prever quais serão os materiais necessários às atividades: livros de arte com obras relevantes, livros infantis sobre artes, lista de sites e museus virtuais, material para desenhar, pintar e modelar, superfícies variadas, espelhos, etc.
Informar os pais através de uma carta e dar sugestões de como podem criar em casa conexões com o que as crianças estão aprendendo na escola constitui uma maneira de enriquecer o trabalho pedagógico e aproximar os pais da escola, estabelecendo uma parceria que beneficia as crianças.
Além dessas medidas, o planejamento do professor também delineia uma série de estratégias para atingir estes objetivos, que vão se modificando e se ampliando ao longo do projeto: A proposição de rodas de apreciação de reproduções que apresentavam a figura humana por artistas como Miró, Van Gogh, Munch e outros; a visita a museus e espaços expositivos em visitas temáticas monitoradas; a produção de desenhos de imaginação, de observação e de memória; a construção de esculturas representando a figura humana; o desenho de auto-retrato diante do espelho; o trabalho individual, em dupla e em grupo na produção de obras da turma; a roda de apreciação das produções das próprias crianças; a construção de textos coletivos registrando aprendizados; a seleção de obras e a montagem de uma exposição com os trabalhos produzidos são algumas estratégias possíveis no âmbito deste projeto.
E como se trata de um projeto, a reapresentação dos conhecimentos construídos pelas crianças à comunidade sob a forma de um produto final compartilhado vem dar sentido social às aprendizagens. A proposta de apresentar uma exposição com os trabalhos das crianças valoriza estes trabalhos,
Avaliação das aprendizagens
Para documentar o processo de aprendizagem foi montado um portfólio para cada criança com amostras representativas de seu trabalho e sua evolução. O portfólio também continha fotografias, anotações da professora, relatórios, e tornou-se um documento que evidenciava e apoiava a aprendizagem das crianças, útil para elas mesmas, para as professoras e para os pais.
Documentar esta aprendizagem permitiu que todos percebessem como as produções das crianças foram se modificando. Pela observação de seu corpo, pela reflexão sobre as formas de representar, pela apreciação das obras de diferentes artistas, as crianças foram desenvolvendo sua observação, apropriando-se dos elementos figurativos que compõe a linguagem do desenho, experimentando o uso desses elementos em suas obras e encontrando mais prazer ao produzi-las.
“At the beggining of the project I drew the eyes (as) balls, the second I draw the eyes different. I learnt because I saw my eyes.” (Júlia H.)
Nesse trabalho as crianças aprenderam uma série de conhecimentos em arte que se relacionam a outras áreas do conhecimento e que as ajudaram a desenvolver-se de modo integral. Em um trecho da avaliação feita pela professora, colocada no portfólio de um aluno junto com suas atividades de desenho, alguns desses aprendizados foram evidenciados:
Os momentos de troca e parceria contribuíram para que Marcelo e seus amigos começassem a perceber alguns detalhes que estão presentes no nosso rosto e fazem com que sejamos diferentes um dos outros. Através desses momentos de observação e de apreciação de outras obras de diferentes épocas e técnicas, as crianças começaram a utilizar o seu novo conhecimento em suas próprias produções, pois sabemos que a Arte é um produto da criatividade humana que, mediante conhecimentos, técnicas e um estilo todo pessoal, transmite uma experiência de vida ou uma visão de mundo, expressando verdades humanas e despertando emoções em quem a usufrui.
Luana: “Nossa, there’s a small ball in my eye, and it’s darker.”
Lucas: “Meu cabelo é bem claro, né?” (Lucas estava puxando conversa com a amiga Júlia H. ao se olhar no espelho e ver suas características físicas).
Júlia H: “Yes, but my hair is bigger”.
Priscilla: “I like my hair because it’s black. I’ll have to use a black pen to draw my hair.”
Bárbara: “A mouth da Ari is very big”.
Júlia P: “My nose has two balls, I think it’s funny. Look” (Júlia estava pedindo para Marcelo e Priscila olharem para dentro do seu nariz).
Marcelo: “My nose is big.”
Observando seu caderno de desenho, podemos perceber que Marcelo utilizou seu novo conhecimento em suas últimas produções, prestando cada vez mais atenção nos detalhes e nas formas. Além disso, sua coordenação motora está cada vez mais desenvolvida, apresentando avanços significativos no controle de seus movimentos e no tremor da linha. Entretanto, percebo que Marcelo utiliza muita força para segurar o lápis, fazendo com que se canse com mais facilidade e rapidez durante uma atividade. Procuro conversar com ele e mostrar que existem diversas maneiras que ele pode utilizar para segurar um riscante qualquer e que ele deve optar pelo que mais o agrada e lhe dê segurança.
A competência comunicativa das crianças varia muito, principalmente em função do tempo em que freqüentam a escola. Mas como podemos ver no excerto acima, as crianças conseguiram se apropriar da segunda língua e utilizá-la para expressar suas ideias e conhecimentos.
O aprendizado dos conteúdos trabalhados pela professora em artes se relaciona com o desenvolvimento das crianças como um todo, seja na construção de sua consciência corporal, no desenvolvimento psicomotor, na percepção e na atenção, na linguagem oral e na socialização. Isso não significa que a arte deve estar subordinada a outras exigências de formação das crianças, mas sim que o desenvolvimento infantil é integrado de tal forma que a ampliação de conhecimentos sobre artes (como em outras áreas) se reflete na formação da criança como um todo.
Além do conhecimento de si mesma, que a criança tem ao desenhar, ganha compreensão do mundo. Ela desenha porque existe desenho no mundo. Aprende a ver e a executar o que vê. Tende a assimilar níveis de conhecimento e produção artística e estética cada vez mais complexos, agindo sobre os objetos de conhecimento (desenhos) de diversas culturas, tempos e lugares [IAVELBERG, 2006].
Reflexões sobre o trabalho
Um projeto didático prevê uma grande participação das crianças na resolução de situações-problema, na proposição de atividades e na definição dos caminhos a seguir. Conosco, aconteceu de o projeto que inicialmente tinha sido pensado para durar um semestre e envolver as linguagens do desenho e da pintura, ganhar tridimensionalidade, saltando da superfície do papel para o espaço, e se prolongando pelo segundo semestre para estudarmos a modelagem e a escultura.
Essa guinada se deveu à descoberta, pela professora, das obras de Sandra Guinle, que tinham sido expostas no ano anterior em São Paulo na mostra “Cenas Infantis”. Encantada com a delicadeza das esculturas e com a temática da vida das crianças, a professora quis trazer aos seus alunos a oportunidade de conhecer esta artista.
Como no momento da realização do projeto não havia obras de Sandra Guinle expostas, foi através do site que as crianças puderam conhecer suas obras que retratam as brincadeiras e o dia-a-dia de crianças em esculturas de bronze de grande simplicidade e delicadeza.
Estabelecer uma comunicação com a artista através de e-mails aproximou as crianças da idéia de que o artista é uma pessoa real, alguém com uma história presente, e que elas também podem, se quiserem, tornar-se artistas no futuro. Sandra foi muito receptiva e acessível, e quis também ver o trabalho das crianças, que foi enviado por e-mail.
Este projeto foi se modificando durante seu percurso, e enriquecendo-se com o envolvimento das crianças e da professora. A reflexão permitiu que um equilíbrio fosse buscado: quando os desenhos das crianças começaram a mostrar um compromisso muito grande com a realidade representada, tanto em termos de formas quanto de cores, a sensibilidade da professora trouxe obras menos comprometidas com a verossimilhança entre a arte e a natureza, como Miró. Assim, buscou-se apresentar uma variedade de elementos da arte de que as crianças poderiam lançar mão em suas produções sem perder de vista suas características pessoais e seu pensamento de magia e fantasia.
Vimos o quanto o papel do professor como pesquisador é essencial na construção de seu percurso profissional e na realização de um trabalho sério e consistente em sala de aula. Procuramos superar a visão tradicional e utilitarista que coloca a arte a serviço de outras disciplinas, sem cair na tendência espontaneísta de simplesmente deixar que as crianças explorem materiais livremente e descubram por si o que há para aprender sobre artes.
Reconhecemos que esta mudança de paradigma implica pelo menos duas dificuldades: A primeira é que nós mesmas, como professoras, não vivenciamos um percurso autoral de construção de conhecimentos sobre artes em nossa educação escolar, e carregamos conosco nossas vivências como alunas, que precisamos superar. A segunda é que dá muito trabalho perceber e preencher possíveis lacunas de nossa formação docente, aprendendo mais sobre didática da arte, história da arte, abordagem de ensino integrado de língua e conteúdo. Porém, decidimos enfrentar estes desafios, imbuídas da certeza de que podemos fazer um bom trabalho com nossos alunos.
Desde a educação infantil podemos propiciar um universo rico de aprendizagens em desenho, expandindo o universo cultural das crianças, trabalho que pode seguir orientado pelas ideias em ação das crianças. Essas ideias, motores dos atos de desenho, são construídas, primordialmente, na prática desenhista e na interação de cada um com a diversidade dos desenhos presentes nos ambientes.(IAVELBERG, 2006)
Quisemos compartilhar nossa experiência com outras professoras acreditando no poder da troca, da partilha e da construção conjunta de conhecimentos. Conhecemos os desafios enfrentados pelos que ainda ousam educar, mesmo em meio a tantas dificuldades enfrentadas no exercício de nossa profissão.
Partilhemos nossas dúvidas, nossas angústias, nossas críticas e aflições, pois se é o diálogo que nos mantém vivos, como dizia Paulo Freire, é o diálogo com os colegas que nos faz professores. Esta pode ser a mais difícil, mas é, com certeza, a mais necessária das profissões. Não vale a pena acreditar que podemos transformar tudo. Não podemos. Não vamos conseguir criar uma escola que vai salvar a sociedade. Mas quem é professor não deixa nunca de acreditar, sabe que renunciar às ilusões não quer dizer renunciar às diferenças. Significa nunca deixar de ter esperança [NÓVOA, 2004].
Referências:
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Referencial curricular nacional para a educação infantil. Brasília, MEC/SEF, 1998
DERDYK, Edith. O desenho da figura humana. 2 ed. São Paulo, Scipione, 2003.
IAVELBEG, Rosa. O desenho cultivado na criança: prática e formação de educadores. São Paulo, Zouk, 2006
MEHISTO, Peeter, MARSH, David e FRIGOLS, Maria Jesus. Uncovering CLIL: Content and language in bilingual and multilingual education. Oxford, Macmillan, 2008
MOURA, Selma de Assis. Quem de repente aprende: uma experiência de formação continuada em artes com professoras polivalentes na educação infantil. Revista Digital Art&. Disponível em http://www.revista.art.br/site-numero-10/trabalhos/18.htm
MOURA, S. M. Arte-educação para quê? Razões para ensinar arte. In: INSTITUTO ARTE NA ESCOLA. Monografias e Teses. Disponível em http://www.artenaescola.org.br/pesquise_monografias_texto.php?id_m=241
NÓVOA, A. Os professores na virada do milênio: do excesso dos discursos à pobreza das práticas. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 25, n. 1, p.11-20, jun 1999.
ZABALA, A. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998.
Site:
WWW.sandraguinle.com.br
sábado, 2 de maio de 2009
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